quarta-feira, 2 de julho de 2014

Psicografia como prova jurídica (LXXIV) Caso de Uberaba

Apesar da curiosidade inicial, fui despertado pelo interesse profissional de pesquisar sobre psicografia em Direito, assunto amplamente abordado sob o aspecto religioso. Durante anos e anos pesquisei e colecionei tudo que encontrei o que, na verdade, foi nada na lei e quase nada na doutrina e jurisprudência. Na área cível, nenhum caso concreto.
 
Já no campo penal apenas algumas abordagens superficiais de alguns casos. Diligenciando mais profundamente a respeito, constatei que, na verdade, aconteceram dez casos concretos, sendo nove relativos a crimes que vão a julgamento pelo Tribunal do Júri.
 
Coerente com a ideia de ser um trabalho jurídico e científico, a mediunidade psicográfica não foi tratada exclusivamente sob o aspecto religioso, não se atendo somente ao espiritismo, vez que a mediunidade pode, e deve, ser analisada, também, cientificamente, porquanto ela independe de credo religioso, cultura e condição social.
 
Os dez casos de psicografia levada ao Judiciário, no Brasil, são das comarcas seguintes, relacionadas pela sequência cronológica das ocorrências: Aparecida de Goiânia (Goiás), Goiânia (Goiás), Campos do Jordão (São Paulo), Campo Grande (Mato Grosso Sul), Mandaguari (Paraná), Gurupi (Tocantins), Ourinhos (São Paulo), Anápolis (Goiás) e Viamão (Rio Grande do Sul). Além dos nove casos citados, outro aconteceu no interior de Goiás, que correu em segredo de justiça, motivo pelo qual não é citada a comarca. É oportuno esclarecer que, fora do Brasil, aconteceu apenas um caso, na França, na época de Alan Kardec, inexistindo maiores detalhes a respeito, sabendo-se apenas que o acusado foi condenado, mas evitou pena de morte.
 
Após muito pesquisar e viabilizar, com alguma dificuldade, cópias de 39 volumes, de todos os processos dos casos concretos, nas cidades já referidas,  o resultado das pesquisas foi transformado em livro (Psicografia como Prova Jurídica). De igual forma, com o mesmo título escrevi 73 artigos, abordando diferentes aspectos relacionados ao assunto, que foram publicados  neste conceituado jornal Diário da Manhã.
 
Algum tempo depois de publicados os artigos,  chegou ao meu conhecimento crime de homicídio ocorrido em Uberaba, Minas Gerais, em que mensagem psicografada foi anexada ao processo criminal. Obtida cópia do processo, o assunto vai publicado como artigo 74, com o título de Caso de Uberaba aumentando o número de casos concretos de Psicografia como Prova Jurídica, no Brasil, de 10 para 11. Em psicografia é muito importante saber quem é o psicógrafo: conceito social, idoneidade, conduta moral, etc. Em se tratando de psicografia levada ao Judiciário,  conhecer quem é o psicógrafo exige atenção redobrada. No Caso de Uberaba tal circunstância não apresentou qualquer dificuldade. O Psicógrafo foi Carlos Barcelli. Em Uberaba psicografia é um assunto por demais conhecido, em razão dos trabalhos desenvolvidos por Chico Xavier. E Carlos Barccelli, fundador de várias obras assistenciais em Uberaba, autor de mais de uma centena de livros psicografados, tendo sido amigo pessoal de Chico Xavier, é um homem íntegro e sua psicografia está acima de qualquer suspeita.
 
Eis os fatos: ao alvorecer do dia 6 de junho de 1992, em Uberaba (Minas Gerais), Juarez Guide da Veiga atingiu João Eurípedes Rosa com vários disparos de arma de fogo (revólver), que veio a falecer quando era transportado para hospital. Consta que o casal Lenira Monteiro de Oliveira e João Eurípedes Rosa, ela solteira e ele desquitado,  moravam juntos  há anos. Tinham 2 filhos, além de 2 dela e 1 dele, de uniões anteriores. O casal tinha uma situação econômica  sólida mas não viviam harmoniosamente. João teria envolvido-se com amantes e Lenira passou a ter um relacionamento amoroso com Juarez Guide. Já não moravam juntos, mas João  frequentava a casa de Lenira normalmente para ver os filhos. Após a meia-noite do dia 5/6/92, depois que todos os filhos adormeceram, Lenira telefonou para Juarez, que a buscou e foram para a casa dele, onde permaneceram  até quase o raiar do dia 6. Ao retornarem, para deixar Lenira na casa dela, o casal foi recebido com tiros de revólver, desferidos por João Eurípedes. Como Juarez já teria sido ameaçado anteriormente, por João, adquiriu  um revolver e passou a andar armado. Um dos disparos de João atingiu o para brisas do veículo de Juarez. Este revidou com vários disparos de  revólver. João foi atingido nas costas e correu para dentro da casa sendo socorrido por Lenira e vizinhos, que acordaram com os disparos. Juarez empreendeu fuga mas apresentou-se, posteriormente, à policia. Lenira, acusada de coautora, teria tentado suicídio. 
 
As investigações demoraram  mais do que o normal. No início de junho de 1993 foi juntada ao inquérito parte de uma mensagem para a viúva Lenira Monteiro de Oliveira, psicografada por Carlos Barcelli, ditada pelo espírito João Eurípedes. A mensagem era extensa e abordava vários assuntos. Entre eles o homicídio em que Juarez é o autor e João Eurípedes vítima. Da mensagem consta:
 
(...) Não quero falar sobre o que aconteceu. Eu estava dominado pelo  crime completamente e a mercê  de meu próprio despreparo espiritual.
 
Ainda:
 
(...) Não pense mais em morrer. Você  tem uma vida inteira pela frente e muito que fazer para criar e educar os nossos filhos.
 
Em 29 de junho de 1994 o acusado foi pronunciado. Foi decretada a prisão preventiva de Juarez, não tendo sido efetuada a prisão. Os autos ficaram paralisados em cartório de agosto de 1994 a junho de 2012. Em 22/10/2013 o processo foi incluído em pauta, para julgamento. Levado a julgamento pelo Tribunal do Júri, em 20/03/2014, o promotor de Justiça pediu absolvição. O réu foi absolvido por maioria de votos.
 
De alguma forma todas as mensagens psicografadas, levadas ao Judiciário, influíram nos julgamentos. Dos 11 casos concretos, até agora conhecidos, ocorreram 7 absolvições, 3 diminuições de pena e 1 (Anápolis) ainda não foi a julgamento.
 
*Texto extraído do site do Diário da Manhã, por Ismar Estulano Garcia, advogado, ex-presidente da OAB-G0, professor universitário, escritor.