quarta-feira, 10 de setembro de 2014

A medida do seu amor

Quem ama de forma amadurecida reconhece que não pode mudar ninguém. Apenas podemos colaborar, orientar, incentivar...
 
Farei uma breve análise do assunto, inspirado nas principais reflexões que Ermance Dufaux examina ao longo do livro Qual a Medida do seu Amor? São três as principais ilusões que envolvem o tema amor:
 
Acreditar que nosso amor é capaz de mudar quem nós amamos.
 
Parece-me que o fato de haver uma maior proximidade entre nós e as pessoas que amamos, de forma muito sutil passamos a acreditar que, por conhecê-las muito bem, temos o direito e a capacidade de mudá-las.
 
Se existe algo muito difícil de ser mantido em relações afetivas é o respeito às escolhas. Isso retira de nós a possibilidade de examinar as pessoas amadas como uma individualidade, com suas características próprias. Perdemos facilmente o senso de limite. E se uma das partes abre mão de preservar sua identidade, sua necessidade e seus sentimentos, a outra parte, mesmo que bem intencionada, poderá exceder em desejos, sonhos e projetos para serem seguidos pela pessoa que ama. E, nessa forma de construir a relação, uma das partes vai cada vez mais assumindo o comando da relação e perdendo a noção de sua influência decisiva e controladora sobre a outra parte.
 
Observe como funciona a lei divina. Nem mesmo Deus nos retira das situações complicadas sem que ofereçamos nosso desejo sincero de mudar. Se houver preguiça e más escolhas, permanecemos nas sombras da maldade ou do erro por decisão pessoal; nesse caso, nem mesmo o Criador pode nos retirar disso. O amor não é capaz de salvar quem não deseja ser salvo. É da lei de Deus que ofereçamos algo para que alguma transformação ocorra nos nossos destinos e para que mereçamos a força do amor em nosso favor.
 
Se essa lei vigora assim na relação de Deus para conosco, quanto mais entre nossas relações! Se alguém que amamos não quer sair do vício ou de alguma atitude infeliz, será uma ilusão acreditar que nosso amor vai salvá-lo.
 
Muitos pais e mães se entregam a culpas lamentáveis por acreditarem que o amor que tinham por seus filhos não foi suficiente para retirá-los de dores e comportamentos que eles optaram por escolha própria. Diante de suas culpas, ficam reféns de seus filhos que os manipulam e exploram ao perceberem suas reações de fragilidade e desespero. Assim também acontece com esposas que tentam “salvar” seus maridos com o seu “amor”. Maridos alcoólatras, infiéis, desonestos, folgadões...
 
A realidade é que o amor não muda ninguém quando essa pessoa não quer mudar. Além disso, é preciso ainda pensar que, muitas vezes, o que chamamos de amor quase sempre está intoxicado de piedade, desespero, dor, desorientação, mágoa pelo fato de a pessoa amada não agir como gostaríamos e, até mesmo, de raiva. Todos esses sentimentos tomam o lugar do amor que não amadureceu, e somente um amor amadurecido é capaz de nos levar a ter atitudes e sentimentos diferentes desses que foram mencionados.
 
Quem ama de forma amadurecida reconhece que não pode mudar ninguém. Apenas podemos colaborar, orientar, incentivar, alertar, refletir e apoiar.
 
Acreditar que somos responsáveis pelas escolhas de quem amamos.
 
Essa já é outra ilusão que decorre da anterior. Quem acredita que pode mudar o outro acaba também se sentindo responsável pelo que ele faz ou pelas escolhas que faz. A mesma linha de raciocínio anterior funciona nesse assunto: a decisão e o sentimento é do outro e não é responsabilidade nossa. Em qualquer contexto, mesmo onde exista o mau exemplo de nossa parte, a pessoa que amamos pode ou não decidir por copiar nossa atitude. A escolha é dela. Ela vai responder por isso e não poderá nos culpar. Inegavelmente, influenciamos uns aos outros, mas não é da lei divina que respondamos pelo que o outro faz.
 
 Quando há uma identificação de nossa parte com a escolha do outro, a ponto de supormos que responderemos pelo que ele fez ou faz, isso acontece porque já desenvolvemos essa sensação de culpabilidade por não mudar a pessoa amada. Isso advém da nossa rebeldia em assumir que não somos onipotentes. Assumir nossa impotência é algo ainda muito difícil de aceitar.
 
Acreditar que amar é conceder à pessoa amada uma importância maior do que nós próprios.
 
Quando o nosso foco de amor é totalmente deslocado para o outro, agregamos uma concepção de que o outro tem mais importância que nós próprios. Com esse foco, passamos a desconsiderar nossas necessidades e gostos para atender a pessoa amada. Um verdadeiro jogo de manipulação e desrespeito se estabelece a partir dessa postura.
 
Amar não é abdicar completamente de si. O verdadeiro amor é algo que se aplica também a nós. Mesmo amando alguém, mantemos nossa individualidade. Temos sonhos. Amor de verdade é parceria, troca e nutrição.
 
Colocar alguém como a pessoa mais importante da nossa vida é agredir o nosso próprio equilíbrio. A sanidade e o equilíbrio só existem quando temos claro para nós que é muito bom amar e ser amado, mas a pessoa mais importante e a quem mais necessitamos devotar amor é a nós mesmos. Aliás, em realidade, salvação de verdade só existe nessa ótica. Quando damos maior importância a alguém que a nós próprios, caminhamos para ou já estamos no autoabandono, que, em síntese, é a atitude de desamor a si próprio.
 
Isso tem muito mais a ver com egoísmo que com amor. Quando damos importância superlativa ao outro, estamos, em verdade, tentando nos realizar nele, nos sentir importante tentando mudar o outro ou fazer algo de bom ao outro para nos sentir com algum valor. Uma atitude nociva e que reflete a baixa autoestima e a educação que muitos de nós recebemos para agradar aos outros quando queremos ser amados. Um grave equívoco!
 
*Texto extraído do site da Revista Cristã do Espiritismo, por Wanderley Oliveira.