quinta-feira, 7 de maio de 2015

Novos Médiuns

Maurício de Castro, 35, já publicou 11 livros por meio da psicodigitação
Na direção de centros espíritas, psicografando, conduzindo reuniões mediúnicas ou criando projetos para divulgação da doutrina, jovens tentam renovar o espiritismo na Bahia.

Em meio ao calor sertanejo, em Riachão do Jacuípe, a pouco mais de duas horas de Salvador, Maurício de Castro, 35, está a um passo de concluir a narrativa sobre como se tornou autor de livros que, em 11 anos,  já ultrapassam a marca de 264 mil exemplares vendidos. De repente, faz uma pausa e avisa que, naquele momento, está acontecendo um fenômeno que não experimenta com muita frequência.

Por alguns segundos, ele vê Hermes,  seu mentor espiritual e autor da maioria dos 11 romances publicados  - o próximo sai em julho e há mais oito prontos. Na maioria das vezes, o contato entre os dois ocorre por meio da audição: Hermes fala e o médium digita.  Maurício começou a psicografar aos 23, mas convive com a mediunidade desde os 13. "A audição é muito clara, mas a visão não é tão frequente", diz.


Além de Hermes - descrito como um jovem de pele e olhos claros -, Maurício vê um homem com traços e vestes que lembram um índio. É a primeira vez que  aparece para ele e, por isso, acredita que possua  alguma ligação com a repórter, mas não há censura. Pelo contrário. "A missão de Hermes é divulgar a doutrina".  A breve visita não ganha destaque espetacular em seu discurso. Para ele, tudo é natural.

Conexão

Com a mesma naturalidade com que  Maurício descreve a aparição dos espíritos, o grupo formado por  11 jovens de instituições  variadas  conduz um animado papo  sobre  a natureza científica da comunicação mediúnica e psicografia, para citar alguns dos fenômenos com os quais se acostumaram a lidar. A conversa acontece na sede da Federação Espírita do Estado da Bahia (Feeb), no bairro de Brotas. É a psicóloga Jéssica Plácido, 24, que articula o encontro.

Há três anos ela criou, ao lado de Eduardo Bonfim, 26,  estudante de engenharia da computação, o Conexão Jovem Espírita, programa de rádio veiculado pela internet. Hoje, o grupo conta com uma dezena de participantes, que atuam na produção de conteúdo e na locução. Brena Silva, 28, é um deles.

Diferentemente de Jéssica, ela possui mediunidade ostensiva, aquela que permite a comunicação com o mundo espiritual de forma física. Para os espíritas, todos são médiuns, embora alguns possuam faculdades mais desenvolvidas que outros. Brena tem a da psicofonia, o que permite que espíritos usem seu corpo e sua voz para se comunicar nas sessões mediúnicas -  reuniões nas quais os espíritos interagem com os vivos.

São jovens  assim que têm assumido, ainda que de forma  discreta, o protagonismo no espiritismo, prática que nasceu como ciência no século 18, a partir da codificação das mensagens que o francês Allan Kardec (1804-1869) afirmou receber do mundo espiritual sugerindo que há vida além da morte. Certeza que, depois, encontrou-se com a religião.

Modéstia

Embora atuantes, estes jovens não costumam aparecer muito, especialmente na mídia. Quando se observam as três maiores obras espíritas da Bahia, seus  líderes  têm idades acima de 50 anos: Adenáuer Novaes, 60, da Fundação Lar Harmonia; Divaldo Franco, 88, da Mansão do Caminho; e José Medrado, 54, fundador da Cavaleiros da Luz/Cidade da Luz.

Na Bahia, o espiritismo tem obtido seguidamente um  aumento no número de seguidores, segundo  dados do IBGE.  Em 2000, o Censo registrou  105.208 baianos como espíritas. Em 2010, esse número subiu 50%. É um total  ainda tímido, se comparado aos 9,1 milhões de católicos, embora o percentual de adesão a essa religião tenha caído 5,7% entre os dois censos.

Presidente da Feeb, o médico e professor André Peixinho considera os  números modestos se analisados de forma absoluta. "O espiritismo requer  muito estudo, isso  faz com que os seus adeptos tenham um perfil de escolaridade um pouco mais elevada e idades acima de 30 anos", explica. Embora os adultos ainda predominem, os  jovens têm conquistado  espaço e a atenção da federação, que realizou, entre  10 e 12 de abril, o 1º  Congresso da Juventude Espírita da Bahia como parte das comemorações pelo seu centenário, que acontece este ano.

Foi em um evento como esse - o Congresso Espírita da Bahia,  em 2011 -  que o  Conexão Jovem Espírita começou.  Com duração de uma hora, o programa tem podcasts  sobre temas variados, além de notícias sobre música e cinema. A produção é feita com a plataforma soundCloud,  o que permite o compartilhamento em redes sociais, como o Facebook. Um indício de que é preciso avançar em novas estratégias de comunicação,  desafio que, para o médium José Medrado, ainda está em fase inicial.

"Algumas religiões usam o esporte e a música para mobilizar a juventude. Nós temos um modelo  ultrapassado,  com adultos comandando as reuniões como se os jovens necessitassem de algum controle", diz o médium da Cidade  da Luz.

Para o psicólogo e escritor Adenáuer Novaes, diretor administrativo do Lar Harmonia, predomina a ideia de que os mais novos  ainda não têm sabedoria. "Duvida-se da capacidade do espírito que está começando uma encarnação, mas isso é preconceito. Há espíritos cada vez mais maduros reencarnando".

Dedicação

Na cena espírita, é consenso. Quando um jovem se destaca é porque tem mediunidade ostensiva. Além disso, há o desafio de aliar a formação profissional ao estudo da doutrina e às medidas de controle das faculdades mediúnicas, o que inclui impor limites à diversão. Nada de exagerar na bebida, por exemplo. "É necessário muita disciplina para que o médium não acabe sucumbindo às  influências negativas. Mediunidade tem função. Não é para virar estrela.  Dos 13 aos 23, estudei muito sobre doutrina", observa Maurício de Castro.

Mesmo com a venda de milhares de livros e elogios até da übermodel brasileira Gisele Bündchen, que se declarou leitora dos romances que psicografa, ele tenta passar ao largo do deslumbramento. Comemora apenas o fato de  perceber que a missão que lhe foi destinada vai dando certo. No mais, toca a vida em sua cidade na mais normal das rotinas. Diariamente, durante a tarde, dedica-se a atendimentos  diários  de orientação espiritual em sua casa. Das 18 às 22 horas, dá aulas em uma escola. Quando volta para casa,  madrugada adentro, dedica-se à psicodigitação.

Nesse tipo de mediunidade, na qual as mensagens são ditadas pelo mentor espiritual, em lugar da caneta e do papel - famosos nas imagens clássicas de psicografias -, Maurício usa o computador.  No futuro,  talvez tenha que criar e presidir um  centro - Hermes já o alertou para isso -, mas, valendo-se do livre-arbítrio, Maurício pediu  mais tempo.

Pausa e gestão

Mais tempo também foi o pedido feito por Igor  Alonso, 20. Para se concentrar na direção do centro Amor, Paz e Fraternidade - fundado em 1930 por sua avó, Marizete Andrade, no bairro da Massaranduba -, ele pediu aos mentores espirituais uma pausa nas atividades mediúnicas.

Pedido aceito,  a instituição realiza hoje trabalhos  sociais voltados para crianças, idosos e gestantes. Médium desde os 13, Igor  faz palestras em outros centros, no intervalo entre as aulas no curso de fisioterapia, e pretende agora reforçar o trabalho iniciado na adolescência, mapeando palestrantes para atividades de formação.

Gestão também tem sido o foco de Diana Castro, 29, que organiza as  sessões de doutrina e um dos ciclos de formação da Universidade Livre na Fundação Lar Harmonia. O  projeto é voltado para o estudo aprofundado da ciência espírita.

Uma das alunas do ciclo coordenado por ela é Marina Calasans, 19, que nas sessões mediúnicas  do Lar Harmonia funciona como   canal para a manifestação dos espíritos, o que fascina, intriga e confunde muita gente. "Sempre ouço coisas do tipo: o espírito baixa como?", conta, entre risos.

Estudante de direito, Marina cresceu em uma família espírita e, desde os 15, vive intensamente a mediunidade. É com entusiasmo que fala  sobre a missão que cumpre e se diz tranquila diante do que, para muitos, é mistério. "Ajudo as pessoas. Para mim, isso é tudo". Até o namorado, cético em relação aos fenômenos mediúnicos,  aprendeu a respeitar sua dedicação ao espiritismo. "Ele leva numa boa", diz.

*Texto retirado do site Uol, canal A Tarde