terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Aquele abraço!

Abraçar faz bem ao psiquismo humano, à alma e é essencial para um bom viver

Abraçar tem inúmeros significados como: cingir com os braços, compreender, estender-se a, admitir, aceitar, cercar, entre outros. Abraço é a ação de abraçar.

Verificamos que um animal abraça o seu semelhante demonstrando proteção e igualdade; uma planta trepadeira abraça o tronco de uma árvore como apoio para desenvolver-se melhor e mostrar a sua exuberância. São exemplos de abraços que ocorrem nos reinos da natureza. É aceitar o outro. Podemos também abraçar uma árvore ou um animal por tudo o que nos representa e como agradecimento ao Criador que nos oferece a magnifica natureza.

Mas, o nosso propósito é discorrer sobre o abraço entre os humanos. O abraço sincero é uma demonstração de afeto de uma pessoa para outra, embora existam abraços entre duas pessoas com o sentido apenas de cumprir uma obrigação social, uma formalidade, sem, contudo, existir a sinceridade no ato. Existe também o abraço dado ao término de uma mensagem, em uma despedida, num momento de medo e insegurança, no namoro, no sexo, em um momento de alegria ou de tristeza.

O abraço sincero é aquele no qual está inserido o carinho, o amor, a compaixão, a saudade, a vontade de abraçar por ser bom. Porém, quero me ater naquele abraço que está fazendo falta. Inúmeros indivíduos sentem falta de um abraço, outros querem abraçar e não sabem como, alguns querem ser abraçados mas fogem desse contato e ainda aqueles que querem o abraço e enxergam neste ato a oportunidade de um recomeço com os seus desafetos. Essas situações são importantes dentro dos desequilíbrios emocionais como a prática psiquiátrica me demostra. Nada melhor que os exemplos para explicá-las e expor o bem que fazem ao psiquismo humano, para a alma e para um bom viver.

Exemplo I

Um senhor de 61 anos me relatou que deixou o lar numa cidade distante após uma briga com o genitor. Tinha na época apenas 17 anos. Nunca mais se encontraram. Nada sabia do pai (a mãe já havia falecido) e dos irmãos nestes 44 anos. Casou-se e tem três filhos, agora adultos. Começaram as desavenças entre ele e os filhos por incompatibilidade de opiniões e isto o remetia ao seu passado quando se referia ao equívoco praticado e o arrependimento. Imaginou por diversas vezes sendo abandonado por um dos filhos e sofria com esta hipótese. Iniciou um quadro depressivo, com mudança de comportamento, apatia e tristeza profunda. Emagreceu 25 quilos em seis meses.

Passou por diversos médicos e psicólogos e chegando ao meu consultório foi logo dizendo: “O senhor é a minha última esperança”. Ouvir esta frase é o momento mais difícil na vida profissional, pois somos colocados em xeque. Na entrevista, informou que consultou com mais de 20 médicos e já fizera uso de inúmeros antidepressivos e ansiolíticos, mas não sentiu melhora com nenhum deles. Naquele momento eu não via o que a medicina poderia fazer para aquela alma em sofrimento. Apelei aos conhecimentos espíritas e disse-lhe: “A medicina tem os seus limites e talvez não possa fazer nada para dar-lhe aquilo que deseja, que é a alegria e a paz. A única pessoa que pode realmente lhe curar é você mesmo. A receita é simples: procure o seu pai e o abrace, diga que o ama. Faça isso e só depois me procure. Quanto aos medicamentos, continue com os que está usando”.

Passaram-se quatro meses e aquele senhor reaparece, irreconhecível; recuperara 18 quilos e o seu semblante era de alegria e de tranquilidade. Relatou que não foi fácil localizar o pai que se mudou diversas vezes de cidade. Encontrando-o, abraçou e o beijou. Descreveu a cena tão emocionado e referiu que quando abraçado ao pai sentiu como uma força (termo que usou) saindo do seu corpo e a partir daquele momento só desejava amá-lo e ampará-lo, tanto que o trouxe para junto de si e passou a sentir-se como uma outra pessoa. Deixou de usar os medicamentos. Relatou-me que o seu objetivo maior é aproveitar o recomeço dessa relação e responsabilizar-se pela qualidade de vida do pai idoso, amando-o muito.

Exemplo II

Uma linda jovem sentia-se infeliz com a convivência e a distância que mantinha do pai. Admirava-o, amava-o, mas ele era muito “seco”, de pouca conversa. Sabia, no entanto, que ele teve uma vida muito difícil e muita falta de carinho. A jovem paciente começou um namoro que não foi aprovado pelo pai e sentiu a distância aumentar. Isto a perturbou de tal forma que começou a ter frequentes crises de choro, outras vezes desespero e mudou o seu comportamento no trabalho e na faculdade que frequentava à noite. Procurou um médico generalista que a medicou com um antidepressivo comum e pediu que consultasse um psiquiatra. Foi quando me procurou. Conversamos três vezes num período de dois meses.

Na primeira consulta já lhe sugeri que “quebrasse o gelo” com o pai, que o procurasse e lhe desse um abraço. Na segunda, retornou sem ter conseguido o sugerido. Na terceira, contou-me que o pai teve um mal súbito e precisou ser socorrido por ela, que se encontrava sozinha em casa naquele momento. Durante a sua remoção para o hospital, com medo do que poderia acontecer e chorando, abraçou-o e o pai lhe retribuiu o abraço dizendo: “Era isto que eu estava desejando a minha vida toda”. Descreveu aquele momento de intensa emoção e acrescentou estas palavras: “Naquela hora senti algo indescritível tomando todo o meu corpo”. A partir daquela data se abraçam todos os dias quando ela sai para o trabalho. Seu comportamento mudou, tornou-se mais alegre, deixou de usar os medicamentos e notou mudanças positivas em si e em seu pai.

Exemplo III

Um jovem sentia uma enorme mágoa do seu patrão que não o tratava bem, mas lhe garantia o emprego. Quando acometido de intensa raiva desejava todo o mal possível ao seu chefe. Certo dia, o patrão sofreu um acidente automobilístico e ficou em estado gravíssimo. Foi quando seus sintomas apareceram: deixou de dormir adequadamente, seus pensamentos tornaram-se fixos no arrependimento e remorso por ter desejado tanto mal ao próximo, tinha momentos de forte ansiedade, taquicardia e crises de choro. Procurou-me e combatemos os sintomas com medicamentos apropriados. Sugeri-lhe que visitasse o patrão no hospital frequentemente. Essas visitas lhe proporcionaram um certo conforto, mas ainda sentia remorso.

As semanas se passaram e o patrão se restabelecera e estava fora de perigo. Contou-me que se sentia aliviado, que o seu remorso estava bem mais brando, mas culpava-se por aqueles momentos de ódio. Sugeri-lhe que numa próxima visita tentasse abraçar o patrão e confessasse que muito lhe devia e lhe era muito grato. Assim o fez. Aquele abraço o retirou da angústia e do autocastigo. A partir desse episódio suas emoções se equilibraram. Não sentia mais o remorso, nem a culpa. O patrão voltou ao comando e novas situações difíceis apareceram, mas conseguia não se enraivecer e tentava compreender que cada um tem o seu modo de ser.

***

Nesses exemplos apresentados, o simples gesto do abraço foi suficiente para o início do restabelecimento do equilíbrio emocional das pessoas envolvidas. Interessante notar que no primeiro caso o abraço produziu uma sensação de saída de uma força, um peso, algo negativo que o paciente nutria há anos – a mágoa e o remorso. No segundo exemplo, ao abraçar o pai a jovem sentiu uma força tomar conta do seu corpo. Deduzimos ser algo positivo, o amor represado, que eclodiu e veio preencher o vazio que sentia na difícil convivência com o seu genitor.

Esses abraços relatados são aqueles que fazem falta. São autênticos, terapêuticos, curativos, energizantes, capazes das mais lindas transformações, como observamos nas histórias relatadas. Não avaliamos nenhuma alteração no quimismo do corpo diante do observado, mas constatamos que tais transformações se processam na alma e para esta não existem meios modernos de aferição. Contudo, estas observações estão inteiramente em acordo com algumas pesquisas realizadas por cientistas de todo o mundo, como mostramos a seguir.

A neurociência diz que o abraço é processado pelo cérebro como uma recompensa e tem um impacto sobre o psiquismo humano, fazendo com que tenhamos uma sensação de alegria, felicidade e bem-estar.

A ciência também admite que o abraço é um gatilho para o cérebro produzir mais ocitocina – o chamado hormônio do amor – enviada para circulação sanguínea através da hipófise.

O pesquisador Sheldon Cohen, da Carnegie Mellon University, nos Estados Unidos, comprovou que o abraço protege dos efeitos do estresse, da depressão e da ansiedade (artigo publicado na revista científica Psychological Science, 2014).

Portanto, fiquemos atentos! Analisemos as nossas vidas e procuremos em nós um possível vazio carente de um abraço e saibamos que podemos preencher a carência afetiva de um semelhante apenas com um forte abraço. Lembremos sempre que o abraço sincero e amigo deve fazer parte das nossas vidas.

Aos queridos leitores amigos, aquele abraço!

Texto publicado no site do jornal O Clarim, por José Luiz Condotta (jlcondotta@gmail.com) em 01/02/2017